Atolado numa duna


O título desta resenha é sensacionalista, mas não necessariamente pejorativo. Não li o(s) livro(s) do Frank Herbert, então só conhecia a história de “Duna” pelo filme do David Lynch. Quando vi no cinema, gostei – o que não quer dizer muito, pois nos anos 80 bastava ser ficção científica para eu gostar. Depois fiquei sabendo o produtor Dino De Laurentiis não quis bancar os delírios do diretor e que a fita tinha sofrido um corte considerável para caber em 137 minutos. No YouTube tem uma versão de quase três horas que, diz-se, segue o roteiro original de Lynch e recupera cenas que foram pro lixo – que dá para ver aqui. Sendo sincero, essa versão estendida não acrescenta muito ao resultado, exceto que o desfecho não é tão apressado, como se fosse o trailer do próximo capítulo.

Finalmente vi a segunda parte do “Duna” do Denis Villeneuve, o que só piorou minha impressão em relação à primeira, que me pareceu somente uma longa introdução. Cinema e literatura são linguagens diferentes, não há problema algum em tomar liberdades numa adaptação. O pau só come pra valer na segunda parte? Para que serve a primeira? Há quase 50 anos George Lucas ensinou uma forma prática de localizar o espectador no contexto da história que iria contar: o texto de abertura móvel, que é seguido por uma cena de perseguição.

Com todos os seus defeitos, a versão de Lynch ainda é superior à de Villeneuve. A cena do navegador viajando entre fendas do Universo bolada por Lynch, com todas as limitações da época, é espetacular. Na de Villeneuve a especiaria, estopim da trama, é reduzida a uma droga qualquer. Não faço ideia se Frank Herbert descreve seu Paul Atreides como alguém que o espectador não levaria a menor fé que iria se tornar um Lawrence da Arábia, mas se Lynch pisou na bola quando botou o seu chapa Kyle MacLachlan – usando laquê! – no papel, Villeneuve errou ao escalar o Timothée Chalamet, que embora seja infinitamente melhor ator, é a fragilidade em forma de gente. Difícil imaginar que o Javier Barden o seguiria cegamente.

Ainda que Lynch tenha cometido o sacrilégio de botar o insosso grupo Toto pra fazer a trilha sonora, Villeneuve nos faz ter ganas com os momentos “tema de entrada em cena da Mulher-Maravilha” na sua. Enquanto Sting se esforça em sua imitação de Malcolm McDowell em “Laranja mecânica”, a gente só sabe que o Austin Butler está interpretando um psicopata porque isso é dito literalmente. Outro erro de escalação gritante é o do ótimo Oscar Issac como o Duque Leto Atreides. Nem com aquela barba Dom Pedro II fake conseguiu envelhecê-lo para o papel. E se o Dave Bautista reclamou de o seu Draxx não receber o destaque merecido em “Guardiões da Galáxia” – ele realmente é bom ator – imagina o que pensa do seu patético Rabban?

Mas é na direção de arte que a primeira versão anos dá um banho – afinal, a produção leva a assinatura De Laurentiis. Quem mais sai perdendo na comparação é Stellan Skarsgård, que entra em cena como Marlon Brando em “Apocalypse now”: seu Barão Arkonnen, que tem um visual apenas grotesco, mas não asqueroso. Em compensação, Zendaya consegue dar uma justificativa para a existência de Chani, coisa que Sean Young, musa dos anos 80, não conseguiu. E Rebecca Ferguson (suspiro). Qualquer filme que tenha a atriz no elenco tem uma boa desculpa para ser visto. Villeneuve fez doce dizendo que não faria um terceiro filme, mas no segundo tem Florence Pugh, Léa Seydoux e Christopher Walken fazendo figuração. Alguém acreditou?


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