Os problemas de “O problema dos 3 corpos”


Assim que soube que a Netflix ia adaptar “O problema dos três corpos”, livro do grande nome da ficção científica chinesa de hoje, Cixin Liu, eu pirei. Não li o romance ainda, mas conheço sua premissa, e é fascinante. Quando saíram os primeiros trailers, então, meu entusiasmo cresceu em proporções astronômicas. Por acaso descobri que os chineses já haviam feito a sua própria adaptação, chamada somente “Três corpos”, e fui conferi-la (trailer abaixo). A série é longa, 30 episódios, e cansativa. Mas se eu não a tivesse visto antes, confesso que boiaria totalmente na sua diluição estadunidense.

Por que os ianques teimam em transformar tudo em telenovela? “O problema dos três corpos” está mais para o melodrama do que para um thriller de ficção científica. Os sexto e sétimo episódios, então, são insuportáveis. Outra coisa: para que tanto personagem? A maioria deles não têm função dramática alguma. E o protagonista, o cientista Wang Miao, é dividido por três, que fazem parte do insuportável núcleo “Friends” do seriado – de onde diabos tiraram a ideia de que os conflitos sentimentais dos personagens e suas intermináveis DRs são mais interessantes que o tema principal da série, uma espécie alienígena rumo à Terra para nos esmagar como insetos? Outro elemento fundamental, o suspense, inexiste: os dois grandes mistérios são resolvidos nos dois primeiros capítulos.

Até dá para entender que tenham resumido o contexto político da China dos anos 1960, quando a história começa, em plena Revolução Cultural; mas Cixin Liu foi bastante cuidadoso ao tratar dos conceitos científicos, que são fundamentais na trama. Um exemplo é o problema dos três corpos, que dá nome ao livro, proposto por Isaac Newton e insolúvel, aplicado à realidade: um planeta que orbita três sóis e as consequências trágicas que sofrem seus habitantes. A civilização local é destruída e se ergue de tempos em tempos. Na série chinesa, gastam um bom tempo para explicar como funciona; na estadunidense, numa cena de cinco minutos. Tenho algum conhecimento sobre física aplicada, astrofísica e nanotecnologia, mas se não tivesse assistido ao seriado chinês, boiaria completamente em diversos momentos cruciais como, por exemplo, na impressionante sequência do petroleiro no Canal do Panamá: não fossem os chineses, não entenderia picas de que diabos era aquela arapuca e como foi feita.

Outro acerto da série chinesa é que ela é bem mais pé no chão no que se trata de tecnologia – como o videogame usado para a resolução do problema que dá nome à série – e política. O conselho militar internacional formado para estabelecer uma estratégia de defesa é bem mais crível que a S.H.I.E.L.D. genérica inventada pela versão ianque. Na verdade, a versão Netflix só aproveita a premissa básica do livro de Cixin Liu e cria praticamente outra história. Até aí, tudo bem, fizeram o mesmo com a minissérie “Corpos” e a adaptação ficou infinitamente melhor que o original. Dessa vez, a fórmula desandou. Para o meu infortúnio, porém, parece que essa mentalidade veio para ficar, pois o seriado tem agradado à audiência; por outro lado, os chineses parecem dispostos a dar o troco: já anunciaram uma nova temporada.

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2 comentários a “Os problemas de “O problema dos 3 corpos””

    • veja, leonel. é um pouco cansativa – são 50 episódios e a história vai só até a metade da série da netflix, mas para quem gosta de ciência e história é um prato cheio. eu acho a forma como as teorias são explicadas fantástica, assim como a descrição da china da revolução cultural. os atores também são ótimos. abração.

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