Episódio 1
“Moisés supunha que seus dedos eram rosas” (Betty Comden e Adolph Green)
Good morning, good mo-or-ning! Seis da manhã, o Despertador Donen toca. Moisés tateia a cômoda, pega a pistola acoplada ao aparelho e aponta… Good morning, good morning toBang! O holograma de Cosmo Brown cai para trás com um rombo no meio da testa, enquanto os de Kathy Selden e Don Lockwood dão no pé. “Até que esses 200 narizes de formiga foram bem gastos” pensa ele, satisfeito com o novo brinquedinho. Ainda sonolento, arrasta-se até o computador e liga a caixa de correio: na tela, Martina está nua, com as mãos na parede, a bunda empinada, aquela penugem subindo pelo rego, um rabo de esquilo.
– Estou te esperando… – sussurra.
Moisés desperta como se tivessem injetado adrenalina em seu coração e manda uma sonda ao ciberespaço para contatá-la. Tinha sonhado novamente com Martina. O tema era o recorrente: ela o procurava fora do horário combinado, o que nunca havia acontecido até então, para convidá-lo a parar o tempo. Seria a ligação dos seus sonhos ou uma cilada? Moisés sentiu uma breve desconfiança, logo obliterada pelo habitual tesão incontrolável. “Tinha esse fraco”; uma das várias expressões que ela que ela dava sentido literal. O combinado era que seus encontros durariam exatamente uma hora e começariam pontualmente às 15:06h. Ele jamais poderia procurá-la: Martina o faria e Moisés lançaria uma sonda para receber as coordenadas. Certas perguntas eram proibidas. Ele também tinha seus segredos. Então, o pacto era conveniente – e as surpresas, sempre bem-vindas.
Enquanto pensava nela, a sonda voltou sem nenhuma mensagem. Desapontado, começou a trabalhar.
SODOMA E GOMORRA (Sodom and Gomorrah/Japão, 2009)
Direção: James Cameron.
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Ava Gardner, Linda Hamilton, Charlton Heston, Jane Russell, Michael Biehn, George Burns, Rossana Podestà.
Épico. Deus iracundo e vingativo (Burns) decide riscar do mapa duas alegres cidades. Somente o destemido Lot (Schwarzenegger) pode detê-lo. Rodado em Avatar System, a mais cara produção de todos os tempos (8 bilhões de narizes de formigas) e um retumbante fracasso de bilheteria, que levou Cameron a cometer “Titanic – Além da vida”. 184 minutos.
O bico de resenhista da BlockBusterMax pagava as contas e lhe garantia o anonimato necessário. Além disso, atendia ao seu requisito primordial: podia se dar ao luxo de fazer uma pausa todas as tardes para se dedicar exclusivamente aos caprichos de Martina. Porém, deu a 15:06h e ela não ligou. Foi a primeira vez que aconteceu desde que se conheceram. Moisés lançou outra sonda, mas novamente não obteve resposta.
Acreditava ter limpado todos os rastos de sua vida pregressa: entretanto, mesmo que tenha tomado as precauções possíveis, Moisés conhecia o Lebréu como ninguém. Sabia que era praticamente impossível escapar do mecanismo de busca que foi concebido, por ele mesmo, para ser implacável e inabalável. Teve certeza de que correria qualquer risco por Martina antes mesmo do primeiro encontro; todavia, não custava redobrar cuidados – até para protegê-la, pois o procurado era ele.
Martina: seu nome começava rascante e terminava num suspiro, como se tivesse sido inventado exclusivamente para ela. Não era um programa contingente, um boto, um golem ou um vírus-taxista, disso Moisés tinha certeza. Ele analisou cada nickname compatível ou ajustável em todos os bancos de dados que conhecia, e não encontrou nada parecido com ela – tanto em aparência, como em personalidade e aptidões incomparáveis. Uma das razões para que ele tivesse se dedicado com tanto afinco ao Lebréu é que nem mesmo a mais sofisticada forma de Inteligência Artificial clandestina – pois os experimentos nessa área foram proibidos pela Convenção de Udaipur, devido ao caso Swinton – seria capaz de ludibriá-lo. Martina era a virtual materialização de seus sonhos; e os sonhos, acreditava Moisés, ainda eram indevassáveis.
Pegou no sono e a reencontrou em suas lembranças perenes: “Vem contar minhas pintinhas…”, ronronava ela, vestindo só a marca do biquíni, acariciando os pelinhos abaixo do umbigo.
Este é o Episódio 1 de meu primeiro romance, “Martina no Vale do Germânio”, que está à venda aqui