Minha carreira como crítico de cinema se concentrou, principalmente, na última década do século passado. Resolvi fazer ume revisão de filmes da época por dois motivos: 1) eu era muito rigoroso, pois a concorrência era acirrada e o gênero não era levado muito a sério, basicamente só “Metropolis”, “2001” e “Solaris” eram considerados cinema; 2) o Hubble, o James Webb e as mudanças climáticas puseram abaixo muitas das teorias científicas daqueles tempos. Acabou-se a era da ficção científica romântica, em que o autor podia pensar no que lhe viesse à telha. Essa retrospectiva me trouxe gratas surpresas, filmes que cresceram aos meus olhos, como “O enigma do Horizonte” (“Event Horizon”, 1997, de Paul WS Anderson); e reforçou decepções, a maior delas, “Missão: Marte” (“Mission to Mars”, 2000, de Brian De Palma), que achei ainda pior.
Revi “Gattaca” (1997), sabendo que não teria erro: de fato foi o melhor filme do gênero dos anos 1990. Foi a estreia na direção do neozelandês Andrew Niccol, de certa forma ofuscado pelo sucesso de “O Show de Truman”, roteiro seu levado às telas no ano seguinte por Peter Weir, que focava numa desgraça contemporânea que estava começando a virar fenômeno de audiência, os malditos reality show. É uma pena, pois, assim como outro longa-metragem de Niccol, “S1m0ne” (2002), partia de uma ótima premissa, para mim, desperdiçada – pode ser implicância minha, pois detesto cinema que retrata os bastidores da TV.
De qualquer forma, Niccol foi o primeiro cineasta mainstream das vésperas do século XXI a abordar temas realmente contemporâneos. Em “Gattaca”, é a eugenia e o crescente preconceito – cada dia aparece um novo, já notaram? E o seu grande acerto foi, apesar disso, fazer um filme de ficção científica à moda antiga, do tipo que ainda manda flores. Não há efeitos especiais de cair o queixo; ao contrário, o máximo que se vê são foguetes sendo lançados ao longe. O diretor e roteirista preferiu centrar suas atenções na direção de arte e no enredo. “Gattaca” é um filme dos anos 1990 passado nos 1950 dos sonhos dos fãs do gênero das antigas, uma escola em voga na época, chamada retrofuturismo. Tudo é de uma elegância sem par. Niccol encontrou uma locação perfeita para as filmagens, o Marin County Civic Center, projetado pelo arquiteto modernista Frank Lloyd Wright e inaugurado em 1960, em San Rafael, na Califórnia.
Outro acerto foi o elenco, encabeçado por Ethan Hawke, Uma Thurman e Jude Law, com participações especiais de Ernest Borgnine, Gore Vidal e Alan Arkin. Como resistir a essa visão do futuro enviada dos pretéritos perfeito e imperfeito?